O Guia Definitivo de como NÃO escrever descrições


As descrições são um dos pontos principais de condução de trama e, também, um dos requisitos principais para que uma novel passe pela nossa avaliação. O ponto principal é: se há jeitos de fazer, como já explicamos em algumas postagens, também há jeitos de não fazer. Por isso, se você tinha dificuldade para entender os bons exemplos, chegou a hora de aprender com os maus.

Prepare-se: o show de horrores descritivos acabou de começar.

Não descreva sua personagem somente através de fatos.


“Ele era alto, tinha cabelos pretos e vestia uma camiseta de rock.”


Esse é um caso clássico. O exemplo acima é a típica descrição-roteiro que não passa sentimento algum. Com “sentimento”, vamos entender que não evoca imagens fortes e singulares marcantes. Por exemplo, não há nada ali que faça o personagem ser notado. Sem marcas, sem cicatrizes ou qualquer outra coisa que o fizesse diferente da maioria. A gente nem consegue identificar o cara direito, quanto mais se lembrar dele. Depois o autor começa a jogar informações mais complexas sobre ele e ficamos perdidos.

Quando descrever a aparência física de alguma personagem, faça com que ele seja lembrado. Por mais que as informações sejam diretas, como no caso desse exemplo, elas devem ser interessantes para nós. Temos uma impressão inicial de alguém pelas características visuais, então o mesmo deve se repetir aqui na escrita. Dizer que ele tem olhos azuis pode ser um começo, mas não poderia ser algo além? Talvez olhos azuis-claros ou escuros que contrastassem com outra característica, como a pele escura. E, ainda mais, se utilizar uma metáfora-adjetivo, as coisas ficam muito mais legais: olhos azuis-ensolarados, azuis-oceânicos, azuis-gélidos. Tudo isso ajuda a marcar seu personagem que, agora, somente com a modificação em um detalhe, está muito mais fácil de ser reconhecido.

Não trate tudo como uma grande generalidade.


“Ela usava um vestido longo e preto com um par de brincos brancos.”


Dando continuidade ao tópico de descrições físicas: pare de ser tão generalista. Se o vestido for importante, ele não é apenas um vestido preto, e o mesmo se repete com os brincos. Utilize informações do seu personagem dentro das próprias descrições, revelando coisas sobre seu passado e motivações, por exemplo. Lembrem-se: descrever não é somente narrar, é esmiuçar algo importante.

Dizer que “usava um vestido quase de luto, passado há minutos, com as mangas transparentes ainda um pouco abarrotadas” e “o par de pérolas em suas orelhas reluzia como o ouro puro que utilizava no pescoço.” Perceba que esses pequenos trechos disseram o que nosso exemplo fez e ainda incrementou as informações: ela não queria estar onde estava, era rica e um pouco descuidada. Nem todas as descrições precisam ser completas, mas se aquela cena tem que ser marcante, então nada de dizer que era só alguma coisa.

Detalhe os acontecimentos, faça-os únicos. Um vestido diferente, brincos diferentes, ações diferentes. Tiques nervosos? Quem sabe? É assim que surge um personagem único e atrativo para o leitor.

Não dê a todos os detalhes a mesma importância.


“Ela era linda. E é isso aí.”


Uma característica física, tipo de roupa ou um maneirismo bem escolhido pode transformar seu personagem em alguém realmente memorável. Isso se aplica a personagens de não-ficção tanto quanto aqueles de ficção. Quando você estiver descrevendo um personagem emocionalmente forte, pode focar daquilo que normalmente te remete à rudeza, a um forte sentimento de apatia. Pode valer a pena passar um parágrafo curto falando sobre como ele anda de maneira estática, quase como se fosse um comandante do exército; de cabeça erguida, postura ereta, os passos mais firmes e diretos que se podia conhecer. Só por essa pequena brecha, você já disse que seu personagem é alguém muito forte e, veja só: sequer colocou essa palavra ali no meio. O mesmo se aplica a outras características, como a beleza, inteligência, criatividade, e tudo o mais que seu personagem possa ter de interessante.

O personagem não é somente o personagem.


“Eu era um desempregado que passava o dia todo na internet.”


Por incrível que possa parecer, essa descrição é um atraso para a narrativa. Ela conta as coisas na sua cara, não mostra ou envolve o leitor. Se o seu personagem não tem um emprego, uma casa ou um passatempo, você está errado; sempre tem alguma coisa que dá pra usar ao seu favor. Uma vez que o personagem está em sua situação habitual de conforto, sem que você diga isso explicitamente, ele pode demonstrar ser quem ele é de verdade.

Ou, ainda você pode colocá-lo em uma situação desconfortável só para mostrar como ele reage. Se ele é um desempregado que vive na internet, tente jogá-lo no meio de uma festa de amigos que têm emprego, em um lugar isolado sem internet, em uma cidade vizinha em busca de emprego somente com desconhecidos. Tudo isso é muito mais legal do que somente dizer que ele era isso ou aquilo: seu personagem não é somente alguém, mas uma pessoa que é moldada por onde ela vive.

Os personagens não revelam suas vidas interiores por adjetivos:  preocupações, valores, gostos aparecem através dos objetos em suas mãos, escritórios, lanchonetes, casas e sonhos.


“Ele estava muito triste.”


Os objetos que seus personagens carregam dizem muito mais sobre eles do que somente um adjetivo. Imagine esse garoto triste tirando da bolsa uma fotografia rasgada, antiga e já comida pela idade; ou retirasse diversas pílulas de uma vez da sua bolsa de mão, para mostrar que ele tinha problemas psicológicos. Ou, se ele trabalhar com números, não precisa dizer isso: apenas mostre-o tirando uma calculadora da bolsa.

Quais itens seu personagem leva no fim de semana? O que ele leva no porta-malas do carro? Um corpo morto? Uma almofada de unicórnio por causa da filha? Alguns livros? Como dissemos anteriormente, pequenos detalhes realmente importam.

Uma postagem muito legal para treinar isso é Exercício de Escrita: Exclua Verbos de Pensamento!

Não precisa ser direto para ser eficaz.



As técnicas de descrever um personagem de maneira indireta, como aquelas que citamos acima, são ótimos exemplos para agarrar seu leitor na trama. Como as informações não estão sendo passadas aos blocos, mas sim acrescentadas de maneira orgânica, pouco a pouco, a curiosidade acerca daquele personagem aumenta cada vez que ele faz alguma coisa.

Crie uma lista de compras pro seu personagem: que tipos de coisa ele compra? Deixe sua personagem fazer um bazar e nos mostre o que ela vende ali: o movimento está bom, os preços estão muito altos, os itens são interessantes? Ela olha para todos da mesma maneira ou tem algum mais importante para ela e para a sua narrativa?

Para contextualizar seu personagem, coloque-o em ação. Não apenas sentado na escola, mas quem sabe andando até lá; provavelmente há coisas interessantes no trajeto que refletem quem ele é. O horário pode variar de acordo com a sua necessidade: atrasado, chega cedo, pontual?

Mas, novamente, coloque-o para fazer coisas. Estar lendo um livro é uma atividade genérica e ainda é pouco. Seja mais específico. Talvez ele somente estava folheando as páginas ou prestando muita atenção nelas que, mesmo com todo o barulho em volta, ele não se deixou levar e continuou sua leitora. Em vez de dar imagens prontas para o leitor, seja específico e mostre ações que realmente sugerem a personalidade do personagem, seus hábitos e desejos, e até mesmo sua vida emocional; tudo é parte dele, você só precisa conhecê-lo melhor.

Vamos trabalhar nessas descrições para não levar voadora quando a staff ler sua novel!

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