Nós já conversamos sobre a criação e refinamento da sua voz de escritor, sobre a estruturação de uma light novel, enredos, atos, parágrafos. Entretanto, algumas coisas são um pouco mais subjetivas do que essas estruturas: muitas vezes, não importa somente o que você diz e o planejamento do que é dito, mas como isso é colocado durante a narrativa.
Se está perdido entre descrições exuberantes e verborrágicas, transições bruscas e cenas sem sal, ou incorporou demais sua personagem principal, te convido a conhecer novas técnicas para incrementar suas descrições e deixar seu texto um pouco mais aprovável!
Mascarando nossas reações ao receber novels-púrpura.
O QUE É A PROSA PÚRPURA E COMO LIDAR COM ELA
O nome "prosa púrpura" foi batizado brilhantemente, em um lampejo de construtivismo psico-simbólico, pelo agraciador das letras poéticas, o romano Horácio. O poeta comparou esse estilo de escrita, bastante peculiar e propenso a divagações floreadas acerca dos tons e coloração de ambientes, efemeridades biológicas e espaciais, com remendos advindos da inteligente mistura química de objetos com propriedades de refletir as cores azul e vermelha, vistos nas roupas de magistrados e imperadores, os quais constituíam a nobreza da época. A cor citada anteriormente, por assim dizer, representava a posse de poder, objetos materiais e intelectuais de modo abundante e perspicaz; logo, por dedução dialética, também de arrogância e sentimentos imundos que colorem as entranhas dos seres humanos. Assim, agora os escritores da casta crítica e polida fazem uso desse termo histórico-linguístico a fim de contemplar uma sentença floreada aos momentos e com vários rodeios com certa nomenclatura.
Basicamente, esse parágrafo aí de cima é um exemplo de prosa púrpura. Essa técnica aparece quando o escritor percebe que não tem nada mais interessante para dizer sobre o enredo, personagens e ambiente e, sentindo que falta alguma coisa, começa a fazer descrições exuberantes e nada interessantes. Quando utilizada diretamente, a prosa púrpura é extremamente chata de ler: não por ser difícil, mas por representar um grande bloco de informação desnecessária que o leitor, com certeza, vai perceber que não tem importância.
Uma porção menor dessa técnica são os chamados trechos púrpura. Eles são fragmentos rebuscados que contrastam claramente com o resto da narração, chegando a destoar bastante do resto da cena, dos personagens e da história como um todo. Por isso, normalmente os trechos aparecem justamente em segmentos onde o escritor fica meio perdido, sem saber para onde atirar.
A prosa púrpura não conta, não revela, não avança. É como se você estivesse com sede e te forçassem a beber uma caixa d'água de 500L: é só descrição por descrição que afoga quem está lendo.
E uma ressalva importante: uma prosa dessa cor não é feita somente de palavras exuberantes. O problema não é você ter um vocabulário vasto (isso seria até uma solução), mas sim fazer uso de palavras complicadas em um texto gramaticalmente simples, ou fazer seu personagem adolescente dizer que "As ações antrópicas modificam o cenário tradicional da existência de modo a contemplar todos os seres viventes com penalidades pré-determinadas" quando ele não está brincando. É quando as coisas simplesmente não batem.
Para que seu estilo não seja pintado de roxo, preste atenção nas palavras. Pergunte-se:
- Esse trecho diminui a importância a informação que está sendo passada? Ou seja, sua escolha de palavras piora o entendimento da situação?
- Se estiver usando figuras de linguagem, elas fazem sentido em si mesmas e combinam com o contexto? Você não está descrevendo uma cena descritiva dramática e chamando os olhos da amada de bolas de gude?
- Você está usando muitas palavras desconhecidas ou de difícil compreensão? A ordem dessas palavras não está muito invertida?
- Você está conseguindo passar o que queria? Essa cena de luta é possível e compreensível?
No primeiro parágrafo dessa seção, as informações estavam muito confusas e floreadas demais. Um jeito melhor de dizer aquilo seria, por exemplo:
O termo "prosa púrpura" foi criado por Horácio, um poeta romano. Ele comparou esse estilo de escrita com a cor roxa, restrita às roupas dos nobres magistrados e imperadores. Logo, o roxo representava a posse de poder e também a arrogância. Assim, os escritores usaram esse termo para nomear um trecho cheio de palavras e expressões desnecessárias.
Todavia, existe uma grande diferente entre uma linguagem púrpura e uma linguagem poética. Enquanto a primeira não tem ritmo e parece mais uma randomização de palavras, a segunda é ornamentada por palavras e pelo ritmo, passando as verdadeiras emoções para o leitor e, assim, comovendo-o conforme o trecho vai passando. Veja esse trecho, retirado da crônica Gaúcho em ritmo de tango, da escritora brasileira Clarice Lispector, e perceba como ela usa as palavras a seu favor para passar o sentimento de esperança e angústia do personagem:
Ele vai falando mansamente, pensando em voz alta, a formular situações na trama latejante de vida que em breve estará desabrochando em mais um grande romance. É o homem entregue docilmente à sua paixão. Nesse instante ele é a um instante o autor consagrado em todo o país e no exterior e o jovem de Cruz Alta, cujo coração se esfrangalhou pela primeira vez ao testemunhar o desmoronamento de um lar. A família veio a constituir um leitmotiv profundo de sua obra, e ele passou a carregar com sua companheira um lar para onde fosse, como o refugio mais seguro da inspiração.
A PROSA BEGE E OS PERIGOS DA SIMPLICIDADE
Enquanto a prosa púrpura é floreada demais, a bege é ornada de menos. Ela usa palavras simples, trechos pequenos, trechos com organização natural. É um estilo que não permite metáforas ou brincadeiras.
A prosa bege não é necessariamente ruim. Entretanto, assim como a amiga roxinha, é bom que você não force a barra com essa aqui também. Por exemplo, é interessante utilizar trechos beges quando estiver se referindo a ações sequenciais, como lutas ou colisões. Você definitivamente não quer que seu leitor fique perdido no meio de um dos conflitos de seus personagens, mas isso pode acontecer se os movimentos rápidos e precisos forem descritos com muita emoção.
Entretanto, se estiver trabalhando em um cenário de fantasia que requer muita construção de mundo, não é muito legal utilizar ideias simples e concisas: afinal, é um mundo totalmente diferente.
Apesar de não ser ruim, ela pode se tornar bastante chata. Por ser concisa e ir direto na ferida, ela peca ao transmitir sentimentos. Por si só, ela não transmite emoções e, assim, faz com que o leitor não fique tão engajado na história por não haver correspondência.
Trechos beges são trechos breves. É como eu estar com muita fome e você me dar um pedaço de bolo que mais parece uma formiga. Ou, se eu estiver com pouca fome, você não terá me feito engordar.
Yzma chegou ao quarto do ferona. Não havia nada lá. Ela ficou triste, mas sentou numa cadeira que estava jogada e esperou até que ele retornasse de sua viagem colorida.
É, esse trecho está meio cru demais. Vamos tentar floreá-lo um pouco mais.
Yzma, dotada de um sorriso amarelado e confiante, pegou a maçaneta da porta de madeira e a rotacionou. Ela percebeu que sua vingança não estaria completa tão cedo, pois todo o ambiente cheirava a putrefação, recheado por teias de aranha que enchiam-na de ódio genuíno por ter demorado tanto. Entretanto, ao estender sua visão a uma cadeira jogada ao chão como por uma briga mortal e sanguinolenta, sentou-se e aguardou até que os pedaços de madeira que compunham o solado voltassem a ranger pela presença do ferona.
... Opa. Vamos tentar colocar menos flores. Sem "putrefação" e "estender sua visão". Precisamos de algo menos clássico para um cenário caindo aos pedaços.
Yzma caminhou ao quarto do antigo ferona, tentando permanecer serena e confiante enquanto ouvia o ranger da madeira velha do solado. E, assim como o chão, todo aquele cômodo parecia jogado às traças, exceto por uma cadeira que ainda parecia digna de ser utilizada por alguém como ela. Yzma cruzou as pernas e somente esperou.
Acho que ficou um pouco melhor. Mantivemos as informações principais, mas não ficou tão cortado ou cheio de gracinhas.
Tenha em mente que, algumas vezes, você precisará utilizar a linguagem bege para situações que exijam um foco central. Por exemplo, emoções autoexplicativas como a morte ou a surpresa não precisam de muita descrição.
A LINGUAGEM AZUL E O CUIDADO COM AS PALAVRAS
E, para terminar, a linguagem azul é dizer coisas que não deveriam ser ditas, em lugares que não são apropriados. É como que ela apareça como obscenidades e xingamentos ao decorrer da narrativa. Justamente por ser agressiva, é que necessita de atenção maior, ainda que seja mais comum em diálogos.
Você quer um personagem que esteja nervoso ou que fale de certa maneira, mas não que os diálogos atraiam a atenção para eles mesmos. Você quer fazer os personagens parecerem reais, não conquistar um público x porque você parece tão adulto utilizando palavras de baixo calão.
Se ele estava com sede e a água acabou, faça o leitor perceber que o que o personagem está fazendo é comum e ele, provavelmente, também faria. Tome cuidado para não colocar palavrões aos montes na boca do personagem e rechear os diálogos com essa tentativa de parecer um ferona legal.
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A penny for your thoughts.
Excelentes dicas. Obrigado
ResponderExcluirAo dispor, Lucas!
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