Algumas vezes, recebemos novels de um parágrafo. Não são sinopses ou roteiros: são textos com mais de cinco páginas e com apenas um parágrafo. Um texto longo, corrido, sem espaço para diálogos entre personagens e transições de cena. Agora imagine um livro inteiro escrito com um apenas um parágrafo. Uma obra escrita dessa maneira provavelmente perderia leitores e revisores com apenas poucos minutos de leitura. Entretanto, apesar de você saber como um parágrafo se parece, se eu te pedisse para me dar da definição de parágrafo, você acha que conseguiria?
Trocando em miúdos, parágrafos são partes do texto que possuem sentido em si mesmas e servem para dividir e organizar o texto. Geralmente, parágrafos contêm mais de uma frase e são separados de outros parágrafos por um espaço. Ou seja, parágrafos são pedacinhos do texto que passam informações específicas, mas interconectadas com todos os outros parágrafos — e, no final das contas, com o objetivo do texto como um todo.
Por exemplo, o texto que você está lendo agora tem um objetivo: te informar sobre a estrutura de um parágrafo. Para isso, o primeiro parágrafo desse texto concentrou informações sobre a importância de parágrafos existirem. O segundo parágrafo, por sua vez, deu uma definição formal de parágrafo. E esse parágrafo que vos fala está exemplificando a definição do parágrafo anterior. Apesar de cada pedacinho de texto possuir seu próprio objetivo, todos eles estão trabalhando em prol do objetivo do texto. Mas vamos dar uma olhada em outro exemplo.
A sala inteira foi tomada por silêncio, e todos os olhares se cravaram na porta. Afinal, alguém novo já no segundo ano do ensino médio era estranho. Se esse aluno transferido fosse uma garota excepcionalmente linda, isso poderia ser o início de uma história de romance clichê, mas não.
Esse parágrafo está comunicando ao leitor que um garoto foi transferido no segundo ano do Ensino Médio. Além disso, ele tem alguns outros pequenos objetivos que ajudam a criar o tom da narrativa. Primeiro, o narrador se usa de juízo de valor (ou seja, ele dá uma opinião pessoal): pessoas novas no segundo ano do Ensino Médio são estranhas. Segundo: o narrador deixa bem claro pra gente que o aluno transferido não é uma garota linda, sugerindo algo oposto ou mais comum em relação a uma garota excepcionalmente linda, o que demonstra que a) ou a narrativa é de comédia; b) o narrador se usa de comédia. No final, o que o parágrafo comunicou foi que um garoto chegou na sala e todo mundo olhou pra ele. Essa é a mensagem principal.
Tudo certo até aqui? Vamos prosseguir.
O aluno transferido era eu.
Uma das coisas que eu disse há alguns parágrafos foi que "Geralmente, parágrafos contêm mais de uma frase". Perceba que eu disse geralmente, não sempre. Como fica evidente com o trecho acima, parágrafos podem muito bem conter informações relevantes condensadas em um único período. O parágrafo em questão informa o leitor que o narrador do texto é um aluno que foi transferido para algum lugar. É uma informação completa por si só. Entretanto, esse parágrafo veio logo após ao pedaço de texto que mostrava um aluno transferindo chegando a uma sala do segundo ano do ensino médio, situação classificada pelo narrador como estranha. Agora você descobre que quem havia chegado na sala era o narrador do texto — portanto, o narrador disse que sua presença, como aluno transferido naquela classe, era estranha. Uma vez que o parágrafo anterior tinha deixado brecha para uma quebra de expectativa, o autor executou essa quebra em um parágrafo separado.
Uma das funções mais utilizadas por escritores na hora de enfatizar informações é justamente criar um parágrafo separado para ela. Com isso, nós podemos perceber outra coisa importante. Dê uma olhada no print dos parágrafos lá em cima. Percebeu como esse pequeno parágrafo se destacou dos demais simplesmente por ser curtinho? Mesmo que o leitor não tenha lido uma palavra do texto, só de passar o olho na página ele já sabe que aquele parágrafo contém uma informação importante, afinal, ele está visivelmente destacado de todo o resto.
Geralmente, essa ênfase fica mais clara com parágrafos pequenos simplesmente porque eles são mais objetivos. Com poucas palavras, você transmite uma informação tão condensada que os leitores a recebem como quem bebe um suco de maracujá concentrado. É muito bom, mas muito forte. Por isso, algumas cenas de ação são melhor descritas com frases e parágrafos curtos. Eles transmitem a ideia de velocidade, rapidez, concisão, intensidade. Parágrafos mais longos, por sua vez, transmitem a ideia de lentidão, explicação, contextualização, ambientação. É claro que não são apenas parágrafos longos que contextualizam ou parágrafos curtos que são intensos, mas é importante pensar que a forma que o parágrafo possui influencia diretamente no andamento na narrativa (como na piada que o autor de Sociedade fez usando a separação de parágrafos) e na dinâmica de leitura (como o fato de o menor parágrafo saltar aos olhos do leitor e de parágrafos menores serem lidos mais rapidamente).
Certo, agora vamos para o trecho final da postagem.
Bem, é verdade que eu não sou uma garota, mas ao menos eu sou excepcionalmente lindo. Eu acho... pelo menos é isso que minha mãe fala pra mim. Se bem que ela também diz que eu tenho alergia a não pedir “com licença”, e isso é mentira...
O parágrafo acima tem por objetivo informar ao leitor sobre a personalidade do nosso narrador-protagonista. O narrador se diz ser excepcionalmente lindo porque a mãe dele diz o mesmo pra ele, mas ela também diz certas coisas que, para ele, são totalmente falsas. Esse contraste de ideias (já apresentado em parágrafos anteriores) reforça a ideia de que o tom da narrativa será mais puxado para a comédia, além de revelar que o narrador também parece ser uma pessoa bem humorada.
Perceba que os três parágrafos iniciais tiveram ligação entre si. O primeiro descreveu a entrada de um garoto numa sala de aula. O segundo revelou que o garoto é o narrador. E o terceiro revelou mais sobre a personalidade do narrador-personagem ao se utilizar do gancho da "garota excepcionalmente linda" do primeiro parágrafo. Os três parágrafos falam da mesma coisa: da visão do narrador sobre si mesmo ao chegar na escola nova.
Para fecharmos essa postagem, gostaria de te pedir uma coisa. Ao escrever um capítulo, pense no objetivo que você quer alcançar. Até que ponto da história você quer avançar? Vamos supor que sua narrativa começa com um grupo de heróis investigando uma masmorra. Você quer que o capítulo comece com eles entrando no lugar e acabe com os heróis encontrando uma criatura. Ótimo.
Agora, pense que os leitores não vivem dentro da sua cabeça. Eles não têm um mapa, não sabem do seu objetivo e não são você. Portanto, eles precisam ser guiados até o final do capítulo: até que os heróis encontrem a criatura. Se você quiser inverter isso e fazer uma narrativa que comece no meio da luta e depois volte para o início da masmorra, tudo bem também. Mas preste atenção nisso.
Parágrafos são o caminho do leitor pelo texto. São os tijolinhos dourados que pavimentam a estrada do seu capítulo. Se os parágrafos estiverem desconexos, um falando de banana e o outro de gergelim, a experiência do leitor será a mesma de andar numa rua esburacada.
Por isso, tenha em mente que seus parágrafos estão interconectados, mas que cada um precisa de uma mensagem individual. Eles precisam fazer algo, incrementar algo, dizer algo, mostrar algo. Avançar com o leitor na estradinha do texto. Mas os parágrafos precisam estar interconectados, de modo a fazer com que o leitor perceba o sentido do que está acontecendo. E se você tem parágrafos ligados (em temática e em gramática), você tende a ter um capítulo coeso. Um capítulo com mais chances de ser aprovado. Um texto muito mais agradável de ler.
Hoje falamos sobre a visão geral do parágrafo. No próximo Revisando!, conversaremos sobre a estrutura interna de cada parágrafo, sobre cada parte que compõe esses pedacinhos do texto. Aposto que você vai curtir. Estarei te esperando lá!
Post incrível. Complementa demais o ultimo, obrigado!
ResponderExcluirMas eu não consigo deixar de sonhar com aquela pílula azul sagrada, uma que te entrega de bandeja o conhecimento do Vong no português... Se pelo menos tivesse pra comprar no mercado livre.
Oooooooof, é por isso que eu amo ficção...
Obrigado pelo comentário, CsC! Fico muito feliz em ter ajudado (e ainda mais feliz com o elogio)!
ResponderExcluirAbraço!