[Exercício de Escrita] Exclua Verbos de Pensamento!


Olá, ferona aspirante a escritor! Faz tempo que não faço uma postagem que não seja de algum lançamento por aqui! A adorável Tany Isuzu voltou com um novo tipo de postagem para vocês!

Está com dificuldade para encontrar seu estilo? Sente que suas frases são travadas ou não sabe como desenvolver bem sua narrativa? Nada tema! 

A postagem de hoje contém um exercício de escrita que pode ajudar vocês a saírem da caixinha! 

Então, vamos lá, abra o work, tome notas, e comece a produzir!
Primeiramente, eu estou reproduzindo um exercício de Chuck Palahniuk. Caso você não conheça esse nome, ele é o autor do livro Clube da Luta, que deu origem ao popular filme. E se nem isso fizer alguma lâmpada se acender em cima da sua cabeça, ferona, pare de ler isso aqui e vá conhecer a história!

Mas o que esse grande autor internacional tem a oferecer para nós, aspirantes a escritores de light novel? 

A dica dele envolve a emissão total de "verbos de pensamento" (Thought verbs, em inglês), mas o que seriam esses verbos de pensamento? Confira logo abaixo, na reprodução, em tradução adaptada, da dica de Chuck:

Em seis segundos, você vai me odiar. Mas em seis meses, será um escritor melhor.
Pelo próximo meio ano, você está proibido de utilizar "verbos de pensamento", incluindo: pensar, saber, entender, perceber, acreditar, querer, lembrar, imaginar, desejar e centenas de outros que você ama.
Essa lista também deve incluir: amar e odiar. Pode se estender a ser e ter, porém vamos chegar a eles mais tarde.
Até o final do ano (começando agora), você não poderá escrever coisas como: "Kenny se perguntou se Mônica não gostava que ele saísse à noite."
Em vez disso, precisará desmembrar essa frase em algo como: "Nas manhãs que se seguiam às noites em que Kenny não retornara após o último ônibus, quando teria de pegar uma carona ou pagar por um carro para chegar em casa e encontrar Mônica fingindo dormir - porque ela nunca dormia daquela forma tão tranquila - naquelas manhãs, ela sempre colocava apenas sua xícara de café no microondas. Nunca a dele."
Em vez de fazer seus personagens saberem qualquer coisa, você deve apresentar detalhes que permitam ao leitor conhecê-los. Em vez de fazê-los quererem algo, descreva a coisa para que seus leitores passem a querê-la também.
Em vez de dizer "Adam sabia que Gwen gostava dele", tente: "No intervalo entre as aulas, Gwen se encostava no armário de Adam quando ele se aproximava para abri-lo. Ela rolava os olhos e partia, deixando uma marca negra no metal, mas também seu perfume. O cadeado ainda estava quente pelo contato com suas nádegas. E, no próximo intervalo, Gwen estaria encostada ali, outra vez."
Resumindo, pare de usar atalhos. Apenas detalhes sensoriais específicos: ações, cheiros, gostos, sons e sensações.
Normalmente, escritores usam esses "verbos de pensamento" no início dos parágrafos. De certo modo, eles afirmam a intenção daquele parágrafo. E o que se segue ilustra essa intenção. Por exemplo: "Brenda sabia que ela nunca cumpriria o prazo. O trânsito estava terrível desde a ponte, passadas as primeiras oito ou nove saídas. A bateria do celular esgotara-se. Em casa, os cachorros precisariam sair para um passeio, caso contrário haveria uma grande bagunça para limpar depois. Além disso, ela prometeu que aguaria as plantas para o vizinho..."
Percebe como essa afirmação da intenção do parágrafo tira o brilho do que se segue? Não faça isso.
Se não tiver como, corte a sentença de abertura e coloque-a depois de todas as outras. Melhor ainda, mude para: "Brenda nunca cumpriria o prazo."
Pensar é abstrato. Saber e acreditar são intangíveis. Sua história sempre vai ser mais forte se você mostrar apenas as ações físicas e os detalhes de seus personagens e permitir que seu leitor pense e saiba. E ame e odeie.
Não diga ao leitor: "Lisa odiava Tom." Em vez disso, construa seu caso como um advogado na corte, detalhe por detalhe. Apresente cada evidência, por exemplo: "Durante a chamada, no instante logo após a professora dizer o nome de Tom, naquele momento antes que ele respondesse, bem naquele instante, Lisa sussurrava "seu merda" justo quando Tom respondia "Presente".
Um dos erros mais comuns de escritores iniciantes é deixar seus personagens desacompanhados. Ao escrever, você pode estar sozinho. Ao ler, seu público vai estar sozinho. Mas seus personagens devem passar muito pouco tempo sozinhos. Porque um personagem desacompanhado começa a pensar; a se preocupar ou a se perguntar.
Outro exemplo: "Enquanto esperava pelo ônibus, Mark começou a se perguntar quanto tempo a viagem demoraria..." Uma construção melhor seria: "A programação dizia que o ônibus chegaria ao meio-dia, mas o relógio de Mark dizia que eram 11:57. Dali dava para ver até o fim da rua, até o shopping, e ele não via nenhum ônibus vindo. Sem dúvidas, o motorista estava parado em algum retorno no fim da linha, tirando uma soneca. O motorista estava dormindo e Mark estava atrasado. Ou pior, o motorista estava bebendo, e quando ele parasse ali, bêbado, cobraria setenta e cinco centavos por uma morte horrível em um acidente de trânsito."
Um personagem sozinho deve mergulhar em fantasia, em memória, mas, mesmo nesses casos, não use "verbos de pensamento", ou qualquer um de seus parentes abstratos.
Ah, e você não pode se esquecer dos verbos lembrar e esquecer. Nada de frases como "Wanda lembrou-se de como Nelson costumava escovar seu cabelo." Em vez disso, use: "Quando estavam no segundo ano da faculdade, Nelson costumava arrumar o cabelo dela com escovadas suaves e longas."
Novamente: desmembre. Não utilize atalhos.
Melhor ainda, coloque o seu personagem junto com outro personagem rapidamente. Coloque-os juntos e deixe a ação começar. Deixe a ação e as palavras mostrarem seus pensamentos. Saia da cabeça deles.
E, enquanto evitar os "verbos de pensamentos", seja muito cauteloso ao utilizar os verbos ser e estar. Por exemplo: "Os olhos de Ann eram azuis" ou "Ana tinha olhos azuis" vs. "nn tossiu e sacudiu uma mão em frente a seu rosto, espantando a fumaça de cigarro de seus olhos azuis antes de sorrir..."
Em vez de usar os "ser" e "ter" sem graça, tente enterrar esses detalhes dos personagens de maneira sutil em suas ações ou gestos. Para simplificar, isso é mostrar sua história em vez de contar.
E daqui pra frente, depois que aprender a desmembrar seus personagens, vai ficar cansado das descrições simples como "Jim sentou-se ao lado de seu telefone, perguntando-se se Amanda não ligaria."
Por favor. Por enquanto, me odeie com todas as suas forças, mas não use "verbos de pensamento".
Depois de meio ano, sinta-se livre, mas eu apostaria dinheiro que você não vai voltar atrás.

Interessante, não acham? Não é obrigação de ninguém seguir esse conselho, todavia, seria interessante se praticassem escrever alguma coisa seguindo a regra do Chuck. Temos visto muita descrição superficial que poderia ser bem melhorada com a ajuda de um desmembramento.

Exemplo (de autoria pessoal): "João sempre trajava um casaco branco com gorro, calças jeans surradas, sapatos all-star, e tinha um cabelo rebelde."

Que tal: "João optou pela combinação de sempre, puxou o confiável gorro do casaco branco, junto as calças jeans surradas que sua mãe tanto desgostava, bem como o fiel par de all-star em seus pés. O cabelo continuava aquele ninho de ratos, invicto contra todos os avanços de um pente que João tentasse."

Viu como alguns detalhes da personagem ficaram bem mais claros dessa forma? Antes nós sabíamos apenas o básico, mas agora temos detalhes do que as roupas representam para ele.

Último exemplo (também de autoria pessoal): "Alícia pensava em como se vingar de Alberto."

Exemplo reformulado: "Os últimos meses da vida de Alícia foram dedicados a planos e mais planos sobre como tornar a vida de Alberto pior, jamais se perdoaria pela humilhação que ele a fizera pagar."

Agora vai uma tarefinha para os que decidirem tentar esse método: vasculhe tudo que escreveu este ano e circule cada "verbo de pensamento" que encontrar. Depois, ache uma forma de eliminá-los. Destrua-os com o desmembramento. 

Se quiser se exercitar ainda mais, pegue livros e tente repetir o processo. Torne suas descrições mais fortes.

Quem sabe teremos mais postagens com exercícios de escrita vindo, quem sabe não. Por enquanto, fiquem com essa. Dúvidas, sugestões, críticas e oferendas, comentem!


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7 comentários

  1. Gostei!! Vou usar essa regrinha do Chuck de hoje em diante.

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  2. Isso também pode ser aplicado para uma narração em primeira pessoa?
    Eu até consigo conceber substituir alguns verbos por descrições físicas no corpo do personagem.
    Porém parece-me que uma novel em primeira pessoa sem nenhum desses verbos ficaria muito estranha.

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    1. O exercício também pode ser feito em narrativas em primeiro pessoa. É um exercício para pensar fora da caixa, então sempre é bom buscar formas novas de dizer o que os velhos recursos dos "verbos de pensamento" oferecem.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Nossa, incrível, como nunca avia percebido isso, essa mania de abreviar as nossas descrições encurtando às e tornando a estoria breve e sem graça.

    Gostei muito da dica e por isso já vou começar agora mesmo a praticar e corrigir os muitos atalhos que criei em meus textos.

    Muito obrigado...

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  5. Putz, dá para perceber o cuidado por atrás de cada exemplo, e é incrível como ter uma explicação detalhada faz a diferença. Mesmo que eu tivesse estudado alguns livros e percebido a diferença dos exemplos, é muito diferente se basear na escrita, do quê ler uma base sólida assim.

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