Dizem que, quase melhor do que aprender com os próprios erros, é aprender com os erros dos outros. Hoje, temos uma novidade aqui no site: o Caçadores de Reprovações será o mais novo quadro mensal do My Light Novel e terá como foco revelar os principais erros cometidos nas diversas categorias da avaliação, desde ortografia até enredo, utilizando trechos de pérolas reprovadas de 12 de Junho em diante — estamos respaldados pelo nosso contrato!
Partiu descobrir no que você e os outros autores devem melhorar, ao mesmo tempo em que vislumbram um pouco da vida de avaliador? O Caçadores de Reprovações, seu quadro mensal de revisão, acabou de começar!
O nome da obra foi modificado para não levar a maiores constrangimentos. Todos os dados dos
autores foram omitidos e a privacidade dos mesmos será protegida.
1. JAPONESES SÃO LEGAIS & REPETIÇÃO
O primeiro parágrafo da obra começa com um clássico dos inícios de escolares genéricos: o protagonista está acordando com o sol batendo no rosto. Esse começo é um clichê de obras escolares, nas quais o personagem principal deve acordar para ir à escola — normalmente atrasado e sem tomar o café da manhã. A escolha óbvia desses acontecimentos mostra que o autor ainda é bastante iniciante e tem pouca bagagem literária.
Ainda, a pontuação é bastante precária. O primeiro parágrafo, de 5 linhas, apresenta apenas dois pontos finais e um aglomerado de informações:
[Descrição do início do dia sobre o tempo] + [descrição do início do dia sobre as pessoas] + [introdução do protagonista; insiste em dormir] + [reforço da preguiça do protagonista] + [introdução da mãe do protagonista].
Em tese, uma das principais funções do ponto final é separar informações que pertençam a núcleos diferentes — nesse caso, as descrições, introduções e reforço. Dentro do contexto, quando esse recurso básico de pontuação não é utilizado, conseguimos perceber que o autor ainda não tem domínio claro de coisas básicas de pontuação e narração: já que estamos sem pausas maiores, a narrativa acaba ficando corrida.
Além disso, esse primeiro parágrafo mostra um domínio deficiente de ortografia: maravilho (maravilhoso); acorda (nesse contexto, acordar); fazia (nesse contexto, vazia); cabelos longo e verde (cabelos longos e verdes) e assim por diante.
A descrição no espelho das características físicas do personagem é também algo comum, entretanto, que pode ser evitado. Por ser exposto a diversas características ao mesmo tempo, o leitor acaba por se lembrar somente das mais marcantes. A utilização da comparação é bem-vinda, mas como as descrições gerais não são boas — cheias de adjetivos e exposição que poderia ter sido melhor aproveitada —, esse detalhe acaba sendo o de menos.
Por isso, ainda que você faça uso de figuras de linguagem ou tenha um estilo que considere revolucionário, nada importará se a junção de tudo isso não tiver um gosto bom.
Outro problema que vemos aqui é a exposição (além da troca de tempo verbal, do passado para o presente. Note o itálico). Já falamos algumas vezes sobre esse assunto por aqui, mas vamos relembrar: mostrar é melhor do que contar. Dizer que Yuuki não tem motivos para fazer isso ou que nada surpreendente acontece com ele é fraco. Colocar Yuuki em uma situação que revele suas características enquanto ser humano é forte. Dizer que o garoto do topete esquisito insiste em falar é fraco. Mostrar o garoto falando é forte. E juntar os dois é redundante.
Então, chega o coitado do garoto do topete ridículo de cor castanha. Temos que admitir que o ferona soube descrever a característica marcante do personagem — ainda que o “ridículo” seja uma opinião pessoal e a narração dele não permita essa pessoalidade.
Pelo que estamos percebendo, o narrador dessa novel é o Narrador Onisciente Neutro: ele conhece tudo acerca do mundo, mas não dá palpites a respeito. Assim, quando há uma intromissão, temos uma ruptura da linearidade da narração seguida de estranheza.
Flashbacks são uma ferramenta que precisa ser usada com cuidado. A introdução de algum conceito desconhecido pelo leitor normalmente é válida quando se quer conceder profundidade e justificar algum evento. Por exemplo, você pode utilizar um flashback para mostrar partes da história que foram omitidas de propósito, revelando algo novo para o leitor. Quando eles são usados apenas para justificar o modo de ser de alguém, sem entrar em detalhes ou acrescentar informações relevantes à trama, eles servem apenas como uma exposição desnecessária que atrasa o andamento da narrativa.
O trecho acima também revela pouco conhecimento acerca de diálogos. A própria utilização do “kkkk” em qualquer diálogo já garante reprovação instantânea, mas, além disso, falta conhecimento sobre outro aspecto: a pontuação. Sempre que for utilizar algum verbo que indica fala (disse, gritou, sussurrou) após seu diálogo, o diálogo não recebe ponto final e o verbo começa com letra minúscula. Ou seja:
— Pare de brincar. Vocês são irados, criaram os mangás! Eu amo ler mangás, cara. Então, muito obrigado a vocês, japoneses (sem ponto) — (letra minúscula) dizia (verbo de fala) Jorge.
Apesar de ter um passado triste e que poderia estar em qualquer outro lugar da narrativa, Yuuki foi reprovado por gramática, descrições, diálogos, narração e enredo ruins. Yuuki nunca mais deu as caras no MLN.
POSTAGENS RECOMENDADAS PARA YUUKI
Pontuação: Vírgulas;
Descrições: Redundância;
Diálogos: Diálogos: o que dizer, como dizer e a necessidade de dizer;
Narração: Tipos de narradores;
Enredo/Planejamento: Clichês.
***
2. O EXÉRCITO É UM FARDO E NOVEL NÃO É ROTEIRO
A primeira linha da história é somente uma exposição que qualquer leitor esquecerá em breve. Em narrações em primeira pessoa, é fácil acabar se perdendo com o tanto de informações que você possui acerca daquele personagem. Eu entendo que queira mostrar como seu universo é vasto, seus personagens são críveis e você planejou — ainda que minimamente — o que está escrevendo. Mas exposições não são o melhor jeito de fazer isso.
Como já citamos em diversas postagens sobre descrições, evite ao máximo utilizar esse artifício. O nome e a idade do seu personagem são tão importantes assim para você impedir o avanço da trama só para dizer isso? E se toda a sua história gira em torno do seu personagem executando determinada ação, por que dizer o que já está óbvio na sinopse? E, mais ainda, por que impedir o leitor de conhecer sua história do melhor jeito possível: sem intromissões suas?
Aqui, fica ainda mais óbvio que o autor conhecimento abaixo do básico pontuação. O não-isolamento do vocativo (Pessoal) e a completa ausência de vírgulas ou ponto finais demonstra isso muito bem. Todavia, tem algo especialmente interessante aqui: como esse texto é uma mescla de enredo e roteiro, algo que tem se tornado mais comum do que deveria. Mas vamos esperar mais um pouco para confirmar nossa hipótese.
Certo, agora podemos continuar o raciocínio. Toda a estruturação desses parágrafos demonstra que o autor ainda não conhece muito bem como se dá o fazer narrativo. Ou, trocando em miúdos, ele ainda acha que passar sua imaginação diretamente para o papel resulta em algo legal.
Muitas vezes, principalmente quando começamos a escrever, passamos diretamente aquele mundo fantástico que temos na cabeça diretamente para o papel. Entretanto, sua imaginação é uma coisa e uma narrativa é outra. Em um texto narrativo, tudo tem que seguir um ritmo propício para a história (rápido se ela for mais rápida, devagar se ela for mais lenta) e fazer sentido com o todo.
Quando o autor utiliza cortes de cena que mais parecem saídos do cinema, é porque provavelmente foi nisso que ele pensou: no caso, um cara correndo até o hangar, pulando no avião, socializando um pouco, um gás rosa saindo de lá, uma tela preta. Depois tudo volta, meio turvo e — ainda que seja válido presumir que ele tenha visto quantas pessoas estavam lá quando entrou, pois houve uma diferença de tempo entre entrar e apagar — ele não sabe quantas pessoas estavam lá. Além disso, ressaltar o “general” ao fim daquela e de outras falas é mais um indício de que o autor confunde light novel com roteiro.
Além dos erros de ortografia e pontuação (que você já deveria identificar bem!), tem algo mais interessante para comentar aqui. Agora, o autor resolveu que quer inovar e escrever uma novel em terceira pessoa. No caso, seu personagem se chamava Robert e estava tudo em primeira pessoa. Ou o personagem adquiriu algum transtorno mental, ou o autor se esqueceu de que não se pode fazer isso, dessa maneira, em hipótese alguma.
O máximo que você pode fazer é trocar o ponto de vista da sua narração. Ou seja, em vez de você continuar narrando tal acontecimento pelo olhar de seu personagem #1, você muda para o personagem #2. Kaii e Estrela Morta fazem uso desse recurso, por exemplo.
Bem, agora a narração voltou para a primeira pessoa. Mas o ponto principal é: como foi que ninguém percebeu que alguém não-autorizado tinha entrado no avião, ainda por cima atrasado? Claramente visível? Calma que isso tem uma explicação, mas não uma justificativa.
Uma das primeiras coisas que acontecem durante o processo criativo é a ideia de uma situação para a história — até mesmo Stephen King utiliza o artifício de personagem + situação para dar o pontapé inicial da história. Essa situação normalmente acontece no começo, como é o caso dessa história, mas pode se dar em qualquer parte dela. Para identificar esse evento de estopim, basta tentar resumir sua história:
Um garoto, angustiado com a vida militar, entra de penetra numa operação ilegal.
Pronto, temos nosso evento (o garoto angustiado entrar de penetra numa operação ilegal). Agora, o autor construirá toda sua narrativa partindo desse ponto, seja para frente e/ou para trás, no segmento temporal.
O problema é: se for iniciante, talvez ele não acabe percebendo que alguns eventos inseridos a partir desse ponto não fazem sentido quando pensamos sobre o todo — é o clássico furo de roteiro. Por exemplo, por que ninguém notou que alguém que não deveria estar lá, na verdade, ficou tempo demais lá dentro, sendo que, possivelmente, todos viram ele entrando atrasado, já que ele era o último?
Não faz sentido. É ruim. E foi reprovada.
COMANDANTE POSTAGENS RECOMENDADAS
Descrições: Transições;
Diálogos: Reforço de Diálogos;
Narração: Tempo na narrativa;
Especial: Light Novel não é Roteiro;
E chegamos ao fim do primeiro Caçadores de Reprovações!
Críticas, comentários e sugestões são especialmente bem-vindos! O que achou do quadro novo? Tem alguma coisa para falar sobre os textos? Achou algum erro que você também pode estar cometendo? Sinta-se livre para comentar!
Curiosamente eu iria sugerir que fizessem algo assim. É uma ótima forma de assimilar erros na escrita. Entretanto, imagino que isso possa acanhar alguns autores ao enviarem suas obras, especialmente os que pensam em reciclar premissas ou personagens.
ResponderExcluirTenho uma dúvida, pode ter dois autores em uma obra?
ResponderExcluirSim.
ExcluirEsses tipos de erro são muito grotescos. Não há a possibilidade de apresentarem textos mais sutis, cuja melhora possa se dar num contexto geral, e não em textos que fazem os olhos sangrarem? Acho que se aprende mais com escritas fracas apesar de coerentes, do que com aquelas sem pé nem cabeça. Sem falar que os erros de histórias como essa são um pouco óbvios, já que elas são péssimas. Gostaria de ver uma análise de algo mais refinado e que também apresente problemas.
ResponderExcluirOlá, caro anônimo-kun.
ExcluirAnotamos sua sugestão aqui no covil, porém, gostaria de esclarecer que o objetivo do quadro é ilustrar erros comuns, por mais grotescos que sejam, das novels que recebemos.
Seria legal vocês apontarem se possível os pontos forte das obras que passaram pelas suas mãos na avaliação individual.(SAZA)
ResponderExcluirSugestão anotada! Porém, em nossas avaliações no e-mail, sempre apontamos os pontos positivos de uma obra quando ela apresenta coisas legais em alguma categoria; seja uma descrição legal, diálogos críveis ou poucos erros de pontuação. Mas, aqui no Caçadores, a intenção é justamente exemplificar o que não fazer.
ExcluirEspero ter sanado a dúvida. Abraço!