Essa postagem foi escrita por um dos autores do MLN e está sendo postada por um dos revisores, por favor, direcionem agradecimentos e comentários ao autor da postagem.
Olá,
eu sou o Nero, autor de Estrela Morta, e hoje venho apresentar um texto que
talvez ajude a responder uma das dúvidas mais comuns quando você está
escrevendo uma obra que planeja enviar ao site.
Independente do gênero que decidir
escrever, uma das constantes que você tem grandes chances de acabar se
deparando é conflito. Sejam rivais amorosos em romances, um jogo de gato e rato
entre um detetive e um criminoso em um mistério ou oponentes a serem derrotados
em uma aventura. Conflito é um dos elementos mais básicos da escrita para
avançar e desenvolver a narrativa, uma vez que um dos principais meios de
obrigar um personagem a crescer é colocá-lo em oposição a algo. E muitas vezes
esse conflito trás consigo o delicado, ou talvez nem tão delicado assim, tema
da violência.
Alguns
exemplos óbvios são lutas, não há muito que se discutir sobre o fato de socos e
chutes serem atos violentos com consequências violentas. Porém violência nem
sempre é algo puramente físico. Às vezes ela pode ser causada por um ato
físico, mas seu impacto ser predominantemente mental, como alguém que gosta de
tocar piano tendo sua mão quebrada em uma briga de bar. Ou até mesmo ser feita
exclusivamente através de meios psicológicos como um protagonista sendo vítima
de armação atrás de armação tendo como objetivo fazê-lo desacreditar em seus
objetivos, arruinar sua reputação ou simplesmente traumatizá-lo. Ao pé da letra,
pela definição do dicionário, violência é algo atrelado à força física, mas,
para o objetivo de escrita, faz mais sentido abranger a definição para melhor
esclarecer uma dúvida que muitos escritores têm:
“O quão violenta minha obra pode ser?”
Bem, como alguém cujos primórdios da escrita estão mergulhados em violência gratuita e exagerada ao ponto que, olhando para trás, era mais cômico que qualquer outra coisa, deixe-me tentar ajudar a esclarecer essa questão.
1 – Violência gratuita por R$ 2,99.
Para
começar, quero deixar duas coisas claras: o objetivo deste texto não é ensinar
o jeito certo de se escrever embates ou o modelo definitivo cenas violentas. O
primeiro porque, embora os assuntos sejam ligados, eles são escritos de formas
separadas, no qual um não diretamente dita o quão extensivo o outro é. E o
segundo, como irei esclarecer no próximo parágrafo, porque, como muitas coisas
na escrita, não existem formas objetivamente certas ou erradas de se escrever
algo. Apenas formas interessantes ou não para sua audiência.
Expandindo
neste ponto: um dos muitos argumentos que você pode se deparar quando se trata
de violência em mídias é que violência gratuita é algo ruim e que deve ser
evitado. Vamos começar entendo que esse argumento é falso, uma vez que esse
estilo de lidar com violência têm um mercado e público alvo. Para isso, basta
apenas se lembrar de franquias como Mortal
Kombat que, desde sua primeira aparição em 1992 tem sua identidade marcada
pela brutalidade de seus fatalities.
Indo desde o clássico onde seu oponente explode com cinco tórax, dez braços e
três caveiras, até os mais atuais, onde você, em câmera lenta, transforma o
crânio de seu oponente em um quebra-cabeça de 1000 peças antes de ambos
continuarem se espancando.
Outros
exemplos abrangem filmes como a série Jogos Mortais, onde o enredo gira em
torno de mostrar as diversas armadilhas e seus efeitos nos participantes,
formando um subgênero coloquialmente chamado de “Torture Porn”. Considerando o quão popular os exemplos dados são, seria
ingênuo demais argumentar que o modo como eles tratam o tema é simplesmente
errado. No entanto, existem sim formas de utilizá-lo de maneira eficiente.
Imagine
que Mortal Kombat fosse uma aventura
de texto. ao invés de um jogo de luta, ou até mesmo um jogo completamente
estático, como uma Visual Novel, em
que as imagens não se movem de forma significativa. Os mesmos movimentos de
Kung Lao cortando a cabeça de um oponente fora e então a serrar ao meio com seu
chapéu acabam ficando demasiadamente longos quando descritos em texto, tirando
o efeito imediato de adrenalina e diminuindo o passo em que a cena está andando
para dar atenção a uma ação que, fora do contexto original, é apenas um
exagero. Os fatalities de Mortal Kombat só realmente funcionam no
gênero e mídia em que estão inseridos, o que nos leva de volta a um dos
conselhos chaves ao se escrever uma light/web novel: escreva para a mídia em que
está trabalhando, não outra.
Sem
os visuais, sons e movimentação, um show de brutalidade que tem como objetivo
deixar o público vibrado não surte o mesmo impacto. Sendo muito mais fácil com
que a tentativa faça a narrativa parar, perdendo linhas e linhas de ritmo até
que você tenha terminado de descrever os olhos da vítima pulando para fora de
sua cara e a história volte a avançar.
Caso
você realmente fosse se valer dessas descrições, a verdade é que sua escrita
seria muito mais bem aproveitada em outro gênero: horror corporal. Algo com o
objetivo expresso de deixar o leitor desconfortável utilizado essas cenas. Não
para transmitir energia e ação, mas para atiçar a imaginação do leitor. Fazê-lo
ter que imaginar, em sua cabeça, a cena sendo descrita, mas nunca conseguindo
realmente visualizar o resultado final fora o fato de que é algo nojento.
Uma
cena onde o protagonista vê seu parceiro tendo a carne arrancada por um vilão
apenas para ter uma cena de ação em meio a uma perseguição não é tão bem
aproveitada quanto uma em que ele é obrigado a ver um assassino em série fazer
o mesmo após eles serem capturados, sabendo que, caso ele não escape, vai ser a
próxima refeição do monstro em forma humana.
Com esse conceito errôneo sobre violência gratuita esclarecido, vamos voltar a pergunta original. A primeira etapa é conhecer o mercado para quem você está escrevendo, e como esse texto é destinado primariamente a autores querendo ter suas obras publicadas no My Light Novel a resposta é que esse site não é um destinado aos casos descritos acima. Embora naturalmente hajam momentos em que cenas mais brutais aconteçam, os focos das obras não deve ser a violência em si. Mas, então, como se utilizar dela?
2– Saiba por que você está se utilizando dela.
Partindo
do base em que estamos falando de uma obra do My Light Novel as cenas devem se inserir na narrativa de forma
natural, e não apenas para chocar o leitor. Cenas grotescas para demonstrar a
perversidade do plano do vilão, um resultando sanguinolento para uma luta
acirrada ou um pano de fundo para contextualizar o psicológico de um personagem
traumatizado. Existem vários motivos pelo qual você se usaria de violência na
obra, mas é essencial que saiba qual o seu motivo para isso.
Simplesmente
inserir esse elemento na narrativa é barato, e dificilmente vai adicionar algo
a ela. Alguém sendo partido ao meio após um duelo de espadas entre dois
inimigos, decididos a matar um ao outro, é um final coerente com a cena, mas
terminar uma briga de tapas com alguém batendo tão forte que o pescoço do alvo
quebra tem mais chances de confundir o leitor do que ser uma conclusão
satisfatória. Obviamente o contexto da cena importa, mas esse contexto também
deve estar atrelado ao porquê de você estar usando a violência na escala em que
está usando.
Sem um propósito, a violência torna-se um elemento solto na narrativa, existindo por simplesmente existir. E já que ela não pode brilhar sozinha, porque perder tempo com ela se esse mesmo espaço pode ser utilizado para melhorar outras áreas de sua obra?
3 – Tudo em exagero faz mal.
Por
exagero não me refiro necessariamente a ultrapassar os limites do seu leitor.
Mesmo entre pessoas do mesmo o público alvo, os limites de cada um para
violência variam em nível individual. Enquanto uns não podem lidar com a
descrição de sangue e dentes voando da boca de alguém após um soco, outros
conseguem se distanciar o suficiente dos personagens a ponto que descrevê-los
pegando fogo não os afeta.
Neste
caso, me refiro ao tempo dedicado para descrever o resultado da violência
comparado com o utilizado para a cena como um todo. Voltando ao exemplo da luta
de espadas: terminar o embate com a cena do perdedor sendo cortado é uma
conclusão que flui com o momento, mas se você passar mais tempo descrevendo-o
sangrando no chão, como seus órgãos expostos ainda pulsam, como ele engasga no
próprio sangue, com seus dedos tremendo devido aos espasmos dos nervos, entre
outras coisas, você quebra o fluxo do texto. Exatamente como aconteceu neste
parágrafo.
Não existe uma fórmula mágica onde X palavras descrevendo a cena lhe dão direito a Y descrevendo a brutalidade. Como tudo na escrita, isso depende do bom senso do autor, mas uma boa dica é tentar reler o trecho e tentar sentir se as descrições pausam a progressão natural dele. Caso você perceba que a narrativa literalmente pausou, sem nenhum desenvolvimento, para nada além de descrever a carnificina, esse é um bom sinal de que talvez seja melhor rever como ele foi escrito.
4 – Botando em prática.
Com
esses dois pontos em mente, vamos a alguns exemplos que mostram como definir o
propósito e aplicar violência em sua obra. Embora eu não vá citar spoilers extensivos, vou fazer
referências a acontecimentos de duas obras as quais eu aprecio a forma como se
utilizam da violência para apresentar e enriquecer sua narrativa: Berserk e Re:Zero.
Começando
por Berserk, é do conhecimento de
qualquer um que saiba sobre a obra que ela é repleta de violência. De mortes, a
mutilações e até mesmo torturas. Seria fácil simplesmente dizer que ela se
enquadra no mercado de violência gratuita, mas essa é uma leitura superficial
da sua utilização. O meu ponto ecoa algo já exposto pelo vídeo do canal Wisecrack, “The Philosophy of Berserk”, o qual recomendo para uma análise de
como a obra trata violência. Porém o que quero focar é sobre as duas formas
como violência é exposta na obra, e como ela auxilia a narrativa.
Há
uma diferença entre a violência artística e a cruel. Onde nós focamos em uma
enquanto a outra é empurrada para escanteio. Quando Guts luta contra um
demônio, ou enfrenta uma companhia inteira de soldados, a narrativa se foca
nele. Seguindo todos seus movimentos como se fosse um espetáculo. Porém, quando
o foco muda para uma violência cruel, como cenas de tortura e execuções, elas
são ignorada. Dadas cada vez menos tempo em tela quanto mais intensas são. Os
únicos casos em que permanecem em forco por longos períodos são quando o
personagem que está em foco é obrigado a encará-la sem poder desviar sua
atenção.
Capítulos
inteiros são dedicados a detalhar lutas, mas ao mostrar vítimas de enforcamento
só alguns quadros são utilizados. A câmera permanece na violência artística,
mas desvia o olhar quando encontra algo que a desagrada. O modo como esses dois
tipos de violência são trados serve para mostrar a diferença entre o
protagonista da obra e o universo em que ele habita. Ambos violentos, mas
fundamentalmente distintos.
Valendo
lembrar que essa obra ainda é um mangá, e por isso a sua escrita em si não deve
ser traduzida literalmente para um livro. Porém, a ideia de a violência ser um
elemento que contextualiza os personagens que a praticam é uma que dá propósito
ao seu uso. No qual a narrativa são seria a mesma se essa distinção não fosse
presente, tornando-a um elemento essencial para a mesma.
Re:Zero, por outro lado, não usa da
violência da mesma forma. Na obra não temos falta de personagens violentos, de
animais selvagens até pessoas sádicas. Porém a violência infringida aos personagens,
em especial ao protagonista Subaru, não tem por objetivo contextualizar seus
praticantes, mas sim suas vítimas.
O
poder de retornar no tempo toda vez que morre faz de Subaru um alvo fácil para
violência por parte do autor, uma vez que são poucas as vezes em que ele morre
de forma pacífica já que, obviamente, o personagem não quer morrer.
Uma
das primeiras mortes da série ocorre quando sua barriga é aberta pela vilã do
arco com um corte. E embora exista uma descrição do ferimento, e até mesmo como
a vilão começa a brincar com suas tripas, esse não é foco da cena. Em vez
disso, o foco é nos pensamentos do Subaru.
O que
ele está sentindo, o que havia acabado de acontecer, o que ele precisava fazer.
A situação é utilizada para descrever um estado mental onde ele, em um momento
de adrenalina, absorve tudo que consegue sobre a situação e se depara com a
própria morte. Apenas para então voltar à consciência no ponto de retorno, ainda
sofrendo as sensações da morte anterior.
Elas
nunca acontecem isoladamente, acompanhando o protagonista através do tempo e
assombrando seus pensamentos para justificar suas ações, seja para efeitos
positivos e negativos. E sem esses contextos violentos suas decisões não fariam
sentido. Há um propósito, e o sofrimento nunca ocorre apenas para que ele
sofra. As atitudes tomadas por Subaru não seriam justificadas se ele não só
passasse pelo trauma de encarar a própria morte repetidamente, mas também
experimentasse dores inimagináveis para uma pessoa normal. Seja sendo traído
por alguém que ele considerava próximo, falhando em um objetivo ou até mesmo
sendo devorado vivo.
Subaru
só é o Subaro porque a violência sofrida por ele pelas mãos dos outros
habitantes do mundo ajuda a definir que tipo de pessoa ele se torna.
Esses exemplos são apenas dois de como se utilizar da violência. Não apenas a inserindo na narrativa, mas sim usando-a para dar substância a partes dela. Existem diversos outros métodos, mas todos acabam se resumindo ao mesmo ponto chave: a violência deve sempre acrescentar à história, não ser acrescentada.
5 – Mas finalizando, qual é a resposta?
Novamente,
a resposta simples é: entenda seu mercado. No My light Novel em especifico, não faça de sua obra um show para a
violência. A utilize para acrescentar a cena, não a sobrepor. E, finalmente,
não tente escrevê-la como se fosse algo que não uma mídia puramente escrita. Um
pouco anticlimático, mas essa nunca foi uma questão tão complicada assim.
Em um
contexto mais amplo, violência não da nenhuma qualidade inerente a obra. Se ela
não for justificada de alguma forma, seja para acentuar uma cena ou para ser o
espetáculo em si, então ela é só uma distração.
Logo a melhor pergunta não é “O quão violenta a minha obra pode ser?”,
mas sim “Como a violência acrescenta à minha narrativa?”. Afinal de contas,
vamos ser sinceros, se não fosse por todo sangue e desmembramento seria muito
mais fácil ver que essa pergunta é muito semelhante a porque fazer piada de
tudo ou enfiar octógonos amorosos em toda obra talvez não fosse uma boa ideia.
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Bom texto, Nero! Adorei a fonte (๑˃ᴗ˂)ﻭ
ResponderExcluirÀs vezes parece ser tabu falar que gosta de violência, mas você me fez lembrar de um famoso meme que entra bem no contexto. Bom, quando perguntaram para o Tarantino o motivo de tanta violência em seus filmes, ele respondeu: "because it's so much fun", e é.
Me fez refletir um bocado em violência na escrita... e acredito que subi de level nesse aspecto. Me ajudou até a entender melhor como ela é aceita aqui no MLN. Quer dizer, não só no MLN, como fazer ela ser escrita com qualidade em qualquer lugar. Violência como arte!
Tem um video no youtube chamado "How Quentin Tarantino Uses Violence" que é muito interessante.
ExcluirExatamente, adoro Re:zero pois na maioria das vezes quando ele morre com brutalidade, agente tem um breve momento do pensamento dele tentando entender o que acabou de acontecer.
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