Imagine um mundo perfeito em que nada nunca dá errado. Uma sociedade envolta na mais perfeita comunhão, criada e mantida sem prejuízos para ninguém. Todos são felizes, vivem bem, se alimentam e são educados da melhor forma possível. Um lugar tão perfeito que pode ser apenas imaginado: uma utopia — por definição, um lugar que não existe.
No Revisando! deste mês, revisitaremos a ideia de utopia e sua aplicação na ficção. Quais são as origens desse gênero e seus maiores títulos? Quais são as características fundamentais de toda a utopia? Será que uma sociedade utópica é mesmo perfeita para todo mundo? Para pensar sobre essas questões, basta Ler Mais!
O que você precisa saber para escrever uma utopia
A ficção utópica é um tipo de narrativa que se desenvolve em um mundo idealizado. Os autores de utopias geralmente constroem uma sociedade utópica de acordo com sua crença e filosofia pessoais, pensando em como uma sociedade perfeita se pareceria e quais problemas poderiam ser contornados até que o status de perfeição pudesse ser alcançado.
A literatura de utopia geralmente trata de temas do nosso mundo, como política, filosofia e ciência. Os problemas atualmente enfrentados pela nossa sociedade são colocados em perspectiva, como se a utopia descrita pelo autor nos revelasse como nossa sociedade seria caso tais problemas fossem solucionados. Por exemplo, uma utopia ambientalista pode mostrar como nossa sociedade ficaria depois de resolvermos os problemas climáticos e de recursos naturais.
Portanto, o primeiro passo para escrever uma ficção utópica é decidir quais problemas você gostaria de trabalhar. Extinguir a pobreza? Produzir alimentos de maneira não-nociva ao meio ambiente? Criar uma Inteligência Artificial capaz de sanar todos os conflitos humanos? Mas não se esqueça que cada uma dessas ideias tem falhas. Extinguir a pobreza é uma ideia excelente, mas dependendo de quem executaria o plano, as coisas poderiam acabar mais desiguais do que antes. Como você solucionaria esse problema?
Planejar uma sociedade utópica (ou que pareça utópica) demanda bastante planejamento. Criar uma IA que solucionaria todos os problemas humanos parece uma ótima ideia, mas como você faria isso? O governo recrutaria cientistas? Recrutaria apenas os melhores? Isso levaria quanto tempo? Algum protótipo foi defeituoso? Qual seu custo ambiental? Pessoas morreram no processo e hoje são consideradas mártires da causa? Para cada passo que você avançar em seu planejamento, pergunte-se quais problemas poderiam aparecer. Então, pense em maneiras de solucionar tais contratempos de acordo com as lógicas do seu universo.
Um passo de cada vez, você poderá criar uma sociedade perfeita.
Perfeita para você.
O Problema das Utopias
Utopias são sociedades imaginárias perfeitas, criadas e mantidas de acordo com o conjunto de crenças de seus idealizadores. Em outras palavras, uma utopia nada é mais é do que uma sociedade perfeitamente adequada aos desejos de alguém (ou de um grupo de pessoas). Nesse mundo perfeito, tudo funciona e todo mundo vive feliz.
Dado tudo o que conversamos até agora, você já deve ter percebido qual é o grande pulo do gato em histórias envolvendo sociedades utópicas. Por um lado, é possível desenvolver uma narrativa voltada para uma sociedade perfeitamente adequada a todos os seus habitantes, explorando os aspectos que levaram à sua construção e manutenção. Por exemplo, você pode contar como uma sociedade ecológica eliminou os problemas climáticos e de recursos naturais ou como uma utopia tecnológica promoveu um avanço computacional tão grande e pacifico que nenhum cientista jamais seria capaz de prever.
Mas você também pode se utilizar do conceito de utopia para alguns. Partindo do princípio de que vivemos em um mundo diverso, com maneiras múltiplas de pensar sobre o convívio em sociedade, me parece improvável que uma sociedade perfeita realmente seja perfeita para todo mundo. Em algum nível, algum grupo ou algum indivíduo ficará insatisfeito com determinado elemento social presente nessa utopia.
Por exemplo, lembre-se d'O Mágico de Oz. A sociedade de Oz era perfeita: as chuvas caíam na época certa, no dia certo, na quantia certa. Todo mundo tinha roupas para vestir, comida para se alimentar e uma casa para se abrigar. Não havia dinheiro ou dívidas. Porém, em uma parte de Oz, os habitantes simplesmente falavam gritando sem razão alguma; em outra, falavam mais do que o homem da cobra, desenvolvendo linhas e mais linhas de conversa sem fim. Entretanto, essas características sociais faziam parte da perfeição de Oz. Todos os habitantes desse mundo estavam acostumados. Eles faziam parte de toda essa máquina social perfeita. Para eles, tais comportamentos não eram considerados ruins. Sequer eram um problema ou algo a ser apontado. Tudo era perfeitamente normal.
O problema surge quando uma pessoa estranha às normas sociais da sociedade observa esses comportamentos: ou seja, quando Dorothy aparece. É ela quem pensa que os habitantes estão falando alto demais. É ela quem percebe que os moradores de tal cidade não param de falar. Afinal de contas, para Dorothy, que cresceu em um universo com outras regras sociais, a perfeição estava longe de ser daquele jeito. Dorothy possuía outros ideais de perfeição, assim como certos habitantes de Oz.
Dentro da própria sociedade de Oz, um grupo de indivíduos passou a roubar as posses de outras pessoas porque não estava satisfeito com o que tinha. Os ideais desse grupo, como você deve imaginar, entravam em conflito com a perfeição de Oz. Portanto, perceba: uma sociedade perfeita também pode ter conflitos. Nem todos podem estar satisfeitos com a crença de perfeição adotada pelo indivíduo ou grupo que idealizou a utopia em questão.
E é aqui em que a linha entre distopia-utopia começa a ficar tênue. Você consegue perceber como uma sociedade utópica, quando narrada por alguém que não compartilha os mesmos valores que o grupo dominante, pode se parecer muito com uma sociedade distópica? Ou que uma sociedade utópica, narrada pelo ponto de vista de alguém que compartilha e aceita tais valores, continua sendo perfeita?
É claro que existem aspectos que diferenciam sociedades distópicas de outras sociedades, como estruturas de controle baseadas na força e manipulação de informações. Mas isso é papo para outro Revisando!
Obras para estudar utopias
Uma utopia moderna, por H. G Wells (1905).
Enquanto caminhavam pelos alpes suíços, dois viajantes ingleses caem em uma dobra espacial e de repente se encontram em uma terra utópica controlada por um único governo mundial. Todos compartilham uma linguagem comum e há igualdade econômica, racial e de gênero. Mas como os moradores desse mundo utópico reagirão aos visitantes de um mundo imperfeito?
Walden II, por B. F Skinner (1948).
Walden II é uma sociedade que propõe o bem-estar de todos os integrantes segundo as leis da "engenharia do comportamento".
O fim da infância, por Arthur C. Clarke (1953).
Em plena Guerra Fria, enquanto russos e americanos se preparam para a corrida espacial, imensas naves surgem sobre as principais capitais do mundo. Seus ocupantes, chamados de Senhores Supremos, dominam a Terra de forma pacífica e melhoram substancialmente as condições de vida. Porém, quais seriam os verdadeiros objetivos dos Senhores Supremos?
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O experimento "universo 25, a utopia dos ratos" também é interessante.
ResponderExcluirÉ um experimento real em que colocam alguns ratos em um ambiente utópico e com o passar das gerações, seus descendentes transformam o lugar em uma distopia antes de chegar a sua extinção.
Olá, Anônimo. Essa é uma boa recomendação para visualizar o gradiente utopia-distopia. Obrigado pela contribuição!
ResponderExcluirUma boa coisa para se fazer em uma história utópica não é mostrar que a sociedade não é perfeita de verdade.
ResponderExcluirOlá, Anônimo. Vale lembrar que uma história só existe por conta de um conflito. Sociedades utópicas são perfeitas por definição, logo, os conflitos geralmente não se mantém. Uma das maneiras de contrapor isso é justamente chocar ideais de perfeição, como sugerido na postagem. A sociedade não deixa de ser perfeita: apenas é vista por outra perspectiva. Abraços!
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